O projeto Agnostic Orchestra Vol. 1 – Fragmentos do 8, de Diego
Aberlardo, mistura samples e instrumentos em uma contradição de estudo e
experimentação - que levou oito anos para ser concluído. O resultado é complexo.
“A música
eletrônica acrescenta muito na criatividade e possibilita recursos infinitos
para a criação de qualquer gênero musical,
mas ainda é preciso um ser humano para controlar a máquina, e isso faz
toda a diferença no resultado final. Digo que valorizo quem faz, não como faz“, comenta Abelardo.
Para entender melhor, confira nossa entrevista. E prepare-se
para o Festival Kino Beat.
Como surgiu a ideia
do projeto Agnostic Orchestra?
Eu já vinha experimentando sons desde 2003, calcado diretamente
na intenção de produzir instrumentais de rap; os famosos “beats”. Até 2006 já
tinha, de certa forma, compreendido a concepção de produção eletrônica neste
campo; partindo apenas de samples e loops de bateria com variações simples, sem
nenhum conhecimento musical formal, mas de total empenho na pesquisa de
sonoridade.
No mesmo ano, decidi começar a estudar música formalmente e,
consequentemente, me veio a ideia de registrar esse processo de desenvolvimento
artístico e técnico.
O nome Agnostic Orchestra veio para ilustrar - como uma
brincadeira entre orquestras religiosas e o sentido vulgar de agnosticismo ser
o meio termo da fé – onde eu, buscaria um compromisso com a musicalidade, mas
sempre mantendo o experimentalismo, que me fora a raiz inicial na música.
Quais foram as
principais inspirações para o projeto?
O álbum Coisas, do maestro Moacir Santos, onde cada música
leva o título de Coisa (com seu respectivo número), foi a inspiração principal
para eu organizar o projeto em Fragmentos. Musicalmente passo longe da
concepção do maestro, mas vejo a inspiração para além de uma fidelidade
musical.
O jazzista/pianista Sun-ra, vindo lá de Saturno, me deu
tranquilidade nos momentos em que a musicalidade parecia se perder em fluxos de
consciência através de meus improvisos pouco técnicos. A liberdade que ele teve
de se colocar como um músico de outro planeta, me incentivou a livre criação e
desenvolvimento de uma linguagem própria, mesmo que não convencional.
A pianista Carla Bley também foi de muita importância para a
composição dos fragmentos. Sua relação síntese rítmica; o minimalismo
“malandro” em seus arranjos, me sugeriram muitas ideias que se concretizaram em
Fragmentos ou não.
Madlib foi o cara que me deu a ideia da mixagem, das
texturas; das sujeiras no som. É dele que vem a experimentação e mistura de
samples com gravações próprias: O processo eletroacústico focado em timbre e
ritmo urbano contemporâneo.
O projeto enxerga a
música como uma fórmula matemática perfeita. Como o experimentalismo se encaixa
neste contexto?
Toda a música gravada é uma fórmula matemática perfeita, se
pensarmos em disco de vinil, tape ou computador – os acertos matemáticos estão
presentes.
Quando apresento cada um dos Fragmentos seguidos de um
número simples divisível por 8, não compreendo a matemática como o cerne do
trabalho, apenas relaciono a questão de organização musical de cada um desses
fragmentos, pois, pensando em teoria musical; todos os Fragmentos foram
compostos em compasso 4/4 e, a progressão de evolução e retorno harmônico se
baseia em 8 compassos que se repetem até o final; não apresento um tema
melódico que evolua para algum outro ponto – podemos dizer que os fragmentos
não saem do lugar, são redundantes sozinhos, um ciclo infinito de pequenos
motivos livres.
A experimentação se apresenta como ruptura, como intervenção
de aceitação do imperfeito nesta organização precisa do plano eletrônico.
O projeto não tem um
tema definido, fica a critério do público a interpretação. Mas no processo
criativo, o que foi levado em consideração?
Tudo que me fizesse sentido, o que me parecesse verdadeiro.
As influencias externas tiveram um papel fundamental nos 8 anos de realização.
O processo foi guiado por mudanças de espírito/temperamento,
descobertas em leituras, no cinema e, no trato com as pessoas no trabalho de
professor de música. É difícil explicar o processo criativo, pois ele não é
linear, mas posso brincar dizendo que “a natureza ama ocultar-se”.
As declamações na
música são fragmentos de uma obra pronta ou criações próprias?
Tudo, do pouco que é dito, é amostra de algum lugar. De
filme, entrevista, disco...
São coisas que apareceram durante o processo e bem se fazem
como referência direta, por exemplo:
No Fragmento 16 , o piano elétrico, que segue toda a música como
um remix, é uma amostra extraída da pianista e harpista Alice Coltrane, da
música Om Supreme, do álbum Eternity (1975). Na introdução temos alguns sons
dispersos que são do álbum Om (1965), de John Coltrane, mixados a um poema
recitado de Torquato Neto (Marcha à Revisão - terceira parte(3-PS)), que foi
extraído do extinto programa de reportagens Documento Especial: Torquato Neto,
O Anjo Torto da Tropicália – 1992. E no final
temos a fala emblemática de Walter Franco em entrevista ao programa
Provocações.
Posso dizer que me aproprio dessas amostras ou, que elas se
apropriam do que faço. Neste exemplo citado, a relação entre as personalidades
aconteceu sem uma prévia intenção, simplesmente eles se juntaram pelo processo
criativo. Em outros casos fui mais pontual, por exemplo no Fragmento 40, em que
o trecho inicial foi extraído do filme Oldboy (Chan-wook Park - 2003) e a
música se desenvolveu a partir desta amostra. No Fragmento 48 onde o trecho
final foi extraído do filme Terra em Transe (Glauber Rocha - 1967) e a música
foi concluída.
O que o Agnostic
Orchestra se propõe em apresentar para o público?
Humildemente; um espetáculo autoral poético e musical
dinâmico – intercalado entre poemas, canções e temas instrumentais. Muita coisa será improvisada, enquanto
outras; severas em seu arranjo.
O projeto traz
ineditismo nas performances ao vivo?
Toda performance é inédita, mas em relação a estrutura de
palco e interações, intervenções e intenções artísticas; não vejo nada do que
proponho como “nunca feito”, prefiro a
ideia do não convencional.
A música eletrônica abre espaço para o
experimentalismo. O que isso acrescenta ao processo criativo e ao resultado
final?
O envolvimento com a arte em geral, tendo uma intenção clara
ou confusa, é que vai definir o nível de experimentação, e seu valor no
resultado final. Vai de cada um, de cada conceito, de cada interesse com aquilo
que se faz. Podemos pensar que; o que para alguns é fracasso, para outros é um
caminho ou, talvez apenas o sinal de um caminho.
No meu caso, a música eletrônica veio como a solução dos
meus anseios criativos – do querer fazer música, mesmo sem saber – seguindo a
intuição, a experimentação, pesquisa; buscando uma sonoridade própria que
pudesse me satisfazer.
A música eletrônica acrescenta muito na criatividade e
possibilita recursos infinitos para a criação de qualquer gênero musical, mas ainda é preciso um ser humano para
controlar a máquina, e isso faz toda a diferença no resultado final. Digo que
valorizo quem faz, não como faz.